Influenciar, inspirar ou instruir?
Grande é o mestre que, sabendo ter o poder de influenciar, limita-se a instruir.
O estudo constante e aprofundado da filosofia do yoga e religiões, aliado à profissão de instrutora, já há tempos me despertou a preocupação em estar sempre atenta para nunca influenciar alunos com pontos de vistas meus sobre acontecimentos do mundo fenomênico, pontos de vista estes que são absolutamente limitados e tantas vezes mutáveis por estarem diretamente relacionados com meus próprios samskáras, vásanas, karma e vrittis.
Se compreendo que essas minhas próprias tendências precisam ser constantemente reconhecidas e transformadas para que eu atinja viveka, é prudente manter o controle sobre as impressões que podem estar momentânea e equivocadamente influenciadas por elas. Ou pior, influenciadas pelo meio que me encontro, caso meu processo de interiorização e respeito próprio estejam débeis e eu esteja “indo com a maré” apenas para me sentir inserida em algum grupo.
Influenciar é enganar; inspirar é iludir; instruir é ensinar. Ouvi isso de um amigo, após desabafar sobre como achava triste ver instrutores de yoga, um dia conceituados, perderem-se em militâncias irresponsáveis.
Quão terrível pode ser o karma de se posicionar contundentemente acerca de um assunto duvidoso? Quão terrível pode ser a culpa de em um futuro perceber que defendeu (ou, em alguns casos, obrigou) que um aluno ou seguidor fosse envenenado?
Tantos são os venenos que podemos incutir na mente daqueles que nos veem como sábios, ou exemplos a serem seguidos…
O estudo de ensinamentos de grandes mestres, que comprovaram em vida terem ultrapassado as barreiras das limitações humanas, me é uma experiência que ora traz uma compreensão que me ilumina e engrandece, ora traz uma profunda sensação de pequenez. Quanto temos de caminhar, melhorar, persistir, balançar, cair e levantar, pra entender alguma coisa e quanto mais árdua é a caminhada para colocar tais entendimentos realmente em prática!
Talvez tenhamos, muitos de nós, uma forte tendência a achar que devemos ter respostas para tudo. Isso é um erro!
Podemos e devemos dizer coisas como: não sei, não tenho certeza; não me sinto à vontade para responder esta pergunta; precisaria meditar mais a respeito disso para te dar uma resposta; etc., sempre que surja um questionamento acerca de nosso posicionamento pessoal sobre questões dúbias de nossos atuais desafios em sociedade.
Sempre que possível, podemos remeter um questionamento à algum princípio do Yoga que se encaixe ao caso. Isso é um excelente exercício para nós como instrutores (desde que tenhamos certeza!). Mas evitar ao máximo imprimir nossas impressões em outra mente. Porque temos o direito de estar errados e temos a suprema responsabilidade de estarmos conscientes disso.
Acontece que, atualmente este compromisso parece tão desconhecido. As redes sociais deram espaço para todo e qualquer tipo de manifestação inconsequente, irrefletida e tantas vezes muito equivocadas. Tudo isso com uma roupagem de sabedoria ou, até mesmo, genialidade que a muitos engana. É quase como se uma pessoa se filmasse acendendo uma lâmpada, gritando eureka, e arrogando pra si a descoberta da energia elétrica.
“Quando o dharma é protegido, ele protege; quando o dharma é destruído, ele destrói”. Minha mestra me repete toda vez que desabafo com ela sobre todo esse fenômeno que acaba me gerando angústia. Aos poucos o ensinamento vai penetrando em meus átomos e consigo, com minha percepção própria, enxergá-lo na prática (buscando evitar a expectativa de ver destruídos todos os destruidores do dharma, porém).
“Um mestre Autorrealizado é inteiramente capaz de guiar seus vários discípulos pelos rumos mais adequados à tendência essencial de cada um” (Yogananda em Autobiografia de um Iogue)
O yoga já está revelado, temos o melhor mapa para fazer a travessia humana nas mãos. Mas este mapa é bastante complexo, requer muito estudo, meditação.
E é sobre este mapa que devemos nos debruçar, para compreendê-lo, nos lançando em seus caminhos de corpo e alma, para que possamos explica-lo a outros seres.
O fator tempo é fundamental, sempre. Ao compreendermos determinado ensinamento internamente e ao praticá-lo, o amadurecemos. Assim podemos desenvolver analogias, exemplos práticos, linguagem própria mais simplificada (quando for o caso) para explicá-lo, mas nunca, jamais, podemos distorcer a essência do ensinamento, julgando tê-lo compreendido antes da hora. Assim corremos o risco de colocar nossos alunos em trilhas impossíveis de serem cruzadas, deixando-os presos.
Por fim, discussões sobre política, futebol, religião, “ciência” fazem parte do dia a dia e são importantes, a partir do momento que possibilitam expandir a visão daqueles que discutem com a intenção de ter uma compreensão mais aprofundada a respeito dos que pensam diferente dele. Não necessariamente a própria opinião vai mudar naquele momento, mas compreender aquilo que faz com que a pessoa pense diferente de você e elevar sua compaixão (caso você tenha convicção de que ela esteja errada), o respeito e a paciência, são uma conquista humana imensurável.
Isto acontece, claro, quando a pessoa tem a sabedoria e a humildade necessárias para realmente ouvir, sem ser dominado pelo ego que tende a defender cegamente seus pontos de vista, apenas para sentir-se dono da verdade, nada escuta e parte para o julgamento, rotulando de forma depreciativa aquele que pensa diferente dele. E nossa, hoje há rótulos incríveis por aí, profundamente inacreditáveis e desrespeitosos com a história (e não estória) das civilizações.
Contudo, tratar sobre tais assuntos e pontos de vistas absolutamente limitados e mutáveis, é algo a ser feito entre amigos, colegas e família, jamais diante de alunos.
Caso contrário nos tornamos instrutores militantes de causas mundanas passageiras e ilusórias. E não há nada mais triste do que ser um instrutor de Yoga militante dessas causas.
A função de um bom mestre é transmitir, com humildade e sabedoria, os conhecimentos adquiridos de mestres muito superiores a ele, mestres que comprovaram em vida tudo aquilo que se propuseram a ensinar; é mostrar e explicar ao aluno o mapa do Yoga, que o guiará para superações de suas barreiras internas. Isso já é um trabalho pra toda vida e além, dada sua vastidão.
Ao despejar neste aluno, toda confusão que é só sua, acerca do mundo secular, o instrutor militante coloca outra bola de ferro amarrada no tornozelo deste pobre aluno.
O instrutor militante, porém, merece muita compaixão, visto que falhou muito naquilo que se propôs a fazer, e um dia amargará as consequências disso. Seja pela tomada de consciência, seja pelos sinais do Universo. Muito provavelmente não o faz por má intenção, apenas está preso num ciclo que se repete, tendo ele mesmo sido influenciado, sem perceber.
Podemos quebrar este ciclo como alunos, nos mantendo sempre muito alertas aos sinais, às tendências, e a como nos sentimos após as “aulas”. Muitas vezes o instrutor militante carrega uma densa energia, característica daqueles que querem despejar nos alunos aquilo que é seu, no caso, pontos de vista.
E como instrutores, que redobremos nossa atenção e cuidado sobre tudo que falamos para nossos alunos, plenamente conscientes de que podemos facilmente influenciá-los e, a partir desta divina consciência, bloquear qualquer tendência neste sentido para que possamos, sim, com responsabilidade e senso de missão, instruí-los em suas caminhadas, seguindo o infalível mapa estabelecido pelo Yoga.
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Imagem: Wagner Nogueira